Editorial
DOI:
https://doi.org/10.5281/sppa%20revista.v14i1.300Resumo
É com grande satisfação que divulgamos neste editorial uma importante conquista da Revista de Psicanálise da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre. Refiro-me à aceitação para análise e inclusão da Revista na Base de dados Clase (base bibliográfica de dados de revistas de ciências sociais e humanas), que analisa e classifica mais de mil e quinhentos títulos latino-americanos e do Caribe.Apresentamos este primeiro número do volume XIV começando por um conjunto de três trabalhos referentes à obra deste que foi um dos maiores psicanalistas dos últimos tempos: Wilfred Bion. No Encontro promovido pela IPA a respeito da evolução da prática psicanalítica, ocorrido em novembro do ano passado no Rio de Janeiro, tivemos a chance de assistir a belos e consistentes trabalhos, alguns dos quais temos a oportunidade de publicar.
Dois dos três trabalhos sobre a obra de Bion foram apresentados neste encontro: A evolução da teoria e prática psicanalítica: da experiência de Freud aos dias de hoje, de Arnaldo Chuster, e De Freud a nossos dias: a original contribuição de Bion, de Antonio Muniz de Rezende.O terceiro trabalho a compor este conjunto é de um autor italiano, Giuseppe Civitarese, que gentilmente nos enviou seu texto por sugestão de Antonino Ferro, a quem agradecemos tão honrosa indicação.
Chuster, partindo daquilo que ele próprio caracteriza como “a enorme experiência acumulada através da principal teoria psicanalítica, ao mesmo tempo sinônimo e razão de ser da prática clínica: a transferência”, expõe com profundidade aquilo que entende ser o campo da singularidade da psicanálise, ou seja, o objeto da psicanálise. Trata-se de um texto que, a exemplo da forma como escrevia o próprio Bion, é denso e recompensador. Ao debruçar-se sobre este texto, é preciso que o leitor o faça conforme o texto propõe: com a mente não saturada para que seja possível o emergir de sua compreensão e construir-se, assim, sua interpretação, ou seja, para que a intuição possa se desenvolver na sua magnitude científica.
Rezende, iniciando por outro vértice, numa visão filosófica e muito rica a partir de Kierkegaard, Camus, Sartre, Heidegger dentre outros, transita de Freud a Bion. Trabalha com precisão e elegância vários conceitos da obra de Bion até conseguir caracterizar a especificidade da contribuição bioniana, qual seja, a inovadora mudança do enfoque, que abandona a busca por desvendar o segredo para passar ao encontro com o mistério do desconhecido.
Concluindo esta tríade de artigos a propósito da obra de Bion, apresentamos o texto de Civitarese. Trata-se de um trabalho que tem como ponto de partida a expressão demanda da ambigüidade, proposta por Meltzer para descrever o estilo de Bion frente a sua absoluta exigência de rigor e precisão quanto à necessidade do psicanalista de desenvolver uma intuição disciplinada pois só assim é possível transitar pelos paradoxos, contradições e incertezas da clínica psicanalítica de forma produtiva e criativa. É um texto de leitura obrigatória para os interessados em Bion, assim como os dois artigos anteriores.
Sara Botella nos brinda com um inovador e instigante texto intitulado O Édipo do id ou Édipo sem complexo. Partindo de idéias apresentadas em novembro de 1989, no Colóquio da Unesco, Psicanálise: questões para o amanhã, por André Green, a propósito do interesse, segundo este autor, que representa para a teoria analítica a concepção da terceiridade de Charles Sanders Peirce, Botella propõe a idéia de um Édipo do id. Este se constituiria na “raiz traumática da moção pulsional, cuja elaboração primordial, a fantasia originária do assassinato do pai, seria o fundamento último do complexo de Édipo”. Conclui com a idéia de que, em psicanálise, “o terceiro tem a ver com uma evolução qualitativa que vai da realização pulsional do Édipo do id às ligações de Eros mais declaradas da triangulação do drama edípico”.
A decomposição é o título dado por Laurence Kahn ao seu sensível artigo publicado neste número. Começando com a emblemática frase “A sublimação é uma filha do espírito esclarecido”, a autora faz uma reflexão sobre os destinos da sublimação quando o “progresso faz aliança com a barbárie”. Elege o título A decomposição baseada na escolha de Freud de 1923 para “qualificar o destino do eu que sucumbe à ação mortífera do supereu – tal como o protista que perece pelos produtos de sua decomposição”. Propõe, portanto, chamar de decomposição o destino do processo sublimatório, quando “a identificação das massas e sua expansão em massa traem a carência de Eros”.
Seguindo com a apresentação deste número da Revista, trazemos o trabalho de Luis Kancyper, O poder das identificações e crenças na obra de Jorge Luis Borges. Utilizando-se de um dos derradeiros contos de Borges, A memória de Shakespeare, o autor disseca com delicadeza e aguda precisão os diferentes matizes dos relacionamentos parento-filiais, descrevendo com propriedade os distintos lugares do pai nas personagens borgeanas. Propondo chamar esta dimensão do relacionamento de simbiose pai-filho, desenvolve o conceito da relação pré-edípica com o pai, descrevendo-a como uma “relação centáurica, fusional e ambígua, constituindo-se em fase necessária e estruturante ao desenvolvimento humano para que o filho logre o desprendimento da primeira simbiose com a mãe e chegue à configuração e elaboração da situação edípica”.
Escrito pelo psicanalista e escritor, colega Prata da Casa, Juarez Guedes Cruz, Sonho e realidade em De olhos bem fechados de Stanley Kubrick, é um trabalho de psicanálise no qual Juarez nos delicia com sua escrita clara e poética. Ressalta que todas as reflexões que expõe a respeito da cena primária em suas inúmeras formas e diferentes níveis de elaboração ou falta desta são apenas impressões do que foi vivenciando enquanto assistia a este “terrível e belo filme”. Conclui o autor: “Qualquer tentativa de penetrar nos segredos da mente de Kubrick ou de Schnitzler a respeito dessa história seria agir como o personagem Bill: querer realizar a fantasia onipotente de profanar o coração do mistério”.
Outra colega da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre, Mery Pomerancblum Wolff, traz sua significativa contribuição: Masoquismo feminino, narcisismo e sua relação com os vínculos precoces. Partindo dos escritos de Freud nos quais este considerava que a expressão, na fantasia, do desejo de ser castrada, copulada e ter filhos, própria das mulheres e característica do masoquismo feminino, a autora considera que este desejo possui um aspecto de valor estruturante no psiquismo das mulheres, sendo específico deste gênero. Salienta ainda a correlação entre o masoquismo e os sentimentos de desamparo, pois, na mesma ocasião em que acontecem os sentimentos de desamparo, “ocorrem as primeiras experiências de auto-erotismo, independente da necessidade, o que sugere a existência de um prazer mesclado ao desprazer devido à tensão da necessidade”.
É de São Paulo a colega cujo trabalho temos a satisfação de apresentar por último nesta publicação. O interessante artigo de Maria Cecília Pereira da Silva, Identificação mórbida: comunicação transgeracional traumatizante, discute como a identificação projetiva intensa e patológica dos objetos primários a que autora se refere como a identificação mórbida tem um efeito traumatizante no desenvolvimento emocional do sujeito. Conclui o texto mostrando “como a identificação mórbida, que pode habitar ou parasitar o self, demanda uma intervenção psicanalítica que leve o sujeito a desidentificar-se, para que o brincar e o sonhar ocupem seu lugar”.
Finalmente, segundo nossa tradição, encerramos este número com uma entrevista de algum psicanalista que visitou nossa instituição e nos traz idéias que fomentam mais o pensar psicanalítico. Desta vez nosso ilustre convidado é David Taylor, psicanalista da Sociedade Britânica de Psicanálise. Dentre outras colocações interessantes, Taylor nos fala também de sua experiência na Tavistok Clinic de Londres, onde tem trabalhado nos últimos vinte e seis anos.
À equipe dos Conselhos Editorial, de Revisores e Consultivo o meu muito obrigada pela competente ajuda e dedicação incansável à nossa Revista.
A todos uma boa leitura.
Anette Blaya Luz
Editora da Revista de Psicanálise da SPPA
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