Editorial
DOI:
https://doi.org/10.5281/sppa%20revista.v13i3.807Palavras-chave:
Editorial, Anette Blaya Luz, Vergonha, PsicanáliseResumo
Logo
no início da gestão do Dr. Ruggero Levy como Presidente da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre, em janeiro de 2006, foi proposto à Comissão de Biblioteca, pelo colega Dr. José Carlos Calich, Diretor de Publicações desta gestão, que a comissão fizesse um levantamento de temas psicanalíticos presentes na literatura psicanalítica nacional e internacional e que estivessem sendo menos estudados dentro da nossa Sociedade. O objetivo era identificar e estudar estes temas e trazê-los para as discussões científicas oportunizando que mais colegas se beneficiassem destes estudos.
Assim que a pesquisa evoluiu foram identificados alguns temas como, por exemplo, identificação projetiva, inveja, simbolização, além de inúmeros outros relacionados à obra de autores mais modernos como Bion, que apareciam com grande freqüência nas publicações pesquisadas. Porém estes assuntos já eram bastante conhecidos e o objetivo permanecia sendo o de identificar um tema menos freqüentemente estudado dentro dos nossos encontros científicos.
Foi então, como resultado desta pesquisa, que se chegou ao tema vergonha. O grupo da Comissão de Biblioteca se dedicou a examinar mais a fundo este assunto e deste estudo resultou um trabalho, basicamente uma revisão bibliográfica, Vergonha: uma contribuição ao estudo de sua importância clínica, apresentada numa das reuniões científicas na SPPA em agosto de 2006 e um dos trabalhos aqui publicados.
A partir desta iniciativa a Comissão Editorial da Revista, na época tendo o Dr. César Brito como editor, decidiu levar adiante a proposta de estudar o tema, e o resultado destes esforços é o presente número. Buscamos trazer ao leitor contribuições teóricas variadas, tentando contemplar não só a abordagem da vergonha na idade adulta, mas também na adolescência e infância. Além disso nos preocupamos em trazer autores de diferentes orientações teóricas e de origens geográficas distintas.
O primeiro artigo deste número é Vergonha: um grande instigador de segredos, escrito por de Andrew Morrison, psicanalista que publica sobre este tema há muitos anos. Exemplifica a importância que o assunto vergonha tem adquirido mais recentemente comentando que uma evidência disto é o fato de uma importante conferência de periódicos psicanalíticos em Nova Iorque – o Symposium 2006 – ter sido denominada, simplesmente, Vergonha.
Morrison salienta a existência de um hiato entre o self ideal e o self real e sua convicção de que a vergonha é o afeto principal subjacente ao narcisismo e aos fenômenos narcisistas. Partindo deste ponto de vista esse autor explora um conjunto de expressões verbais tais como sem valor, perdedor, diferente, insignificante, invisível, patético e ridículo que chama de linguagem da vergonha. Propõe que, no diálogo entre psicanalista e paciente, o analista deve estar atento ao surgimento destas expressões, pois elas revelam a existência de uma vergonha oculta que, quando identificada, produz no paciente um sentimento de ter sido realmente compreendido.
Outro importante autor americano, Melvin Lansky, de Los Angeles, nos traz o artigo Conflitos de vergonha como instigadores de cisão e identificação projetiva: a dimensão inconsciente dos ataques agressivos intimidadores. Explora as razões teóricas e clínico-fenomenológicas graças às quais a vergonha permanece oculta e utiliza os conceitos de cisão e identificação projetiva para compreender os ataques de raiva e a sensações de intimidação na contratransferência como expressão de defesa contra as injúrias narcisistas que estão na raiz da vergonha oculta.
O primeiro representante europeu desta edição é Claude Janin. Seu profundo trabalho intitulado Por uma teoria psicanalítica da vergonha: vergonha originária, vergonha das origens, origens da vergonha, é um texto bastante extenso e denso. Foi um dos relatórios oficiais do Congresso de Psicanálise de Língua Francesa de 2003 ocorrido em Lyon.
Partindo de considerações a respeito das dificuldades lingüísticas, demonstra como Freud relacionava o afeto vergonha aos aspectos sexuais infantis. Ressalta que, em alemão, há duas palavras usadas por Freud, scham e schande, enquanto em inglês só foi utilizado o termo shame. Já na língua francesa encontram-se os dois termos honte e pudeur, assim como há vergonha e pudor em português. Estas diferenças semânticas apontam para as confusões que sempre acompanharam o estudo do afeto vergonha. Janin salienta ainda que Freud, após 1914, com o estudo do narcisismo, praticamente abandonou a exploração psicanalítica deste potente sentimento, a vergonha. Apesar das dificuldades, Janin propõe uma teoria
psicanalítica da vergonha sugerindo uma metapsicologia caracterizada por uma vergonha originária primária e uma vergonha secundária.
Merot, na mesma linha de desenvolvimentos metapsicológicos discutida no
Congresso sobre vergonha, entende que sentir vergonha é descobrir-se menor do que se pretendia ser. O conflito básico é a tensão entre o ideal do eu e o eu. Esta é vivenciada como uma falha, quando o sujeito reconhece que não é o que pensava ser. A ameaça de desaprovação e desamor surge como conseqüência pela frustração face ao ideal e aos pais idealizados. Tal falha é vivenciada como vergonha. É nesse confronto, nessa frustração e decepção que a vergonha ganha amplitude e extensão.
Vêm de Genebra as psicanalistas que escrevem sobre a vergonha na adolescência. François Ladame e Nathalie Zilkha iniciam seu belo texto salientando a dimensão traumática do olhar do outro. Assim como no trabalho de Merot e no de Janin, há nessas autoras uma especial atenção à vergonha como fator de vínculo social. Surge no momento do confronto entre os valores e os ideais do grupo a que o indivíduo pertence ou desejaria pertencer. Pode-se com facilidade, portanto, identificar por que na adolescência, quando o fator grupal tem tanta relevância, o potencial desorganizador deste afeto é tão significativo.
A convidada para falar a respeito da vergonha na infância é Nicole Minazio, psicanalista de Bruxelas. Ela nos brinda com um sensível artigo no qual defende que, na criança, diferentemente do adolescente, é bem mais difícil distinguir o sofrimento oriundo do sentimento de vergonha daquele produzido pela culpa. Argumenta que isto se deve ao fato de não estarem ainda bem diferenciadas as instâncias psíquicas e que as capacidades simbólicas se encontram ainda precariamente desenvolvidas.
A Revista também apresenta ao leitor o trabalho de dois psicanalistas italianos, Franca Munari e Marco La Scala. É um texto que busca compreender o que torna possível ao indivíduo experimentar o sentimento de vergonha e o que o bloqueia. Partindo do que os autores definem como os precursores da vergonha, procuram entender o quê, no percurso evolutivo, promove ou impede a experiência deste afeto. Propõem considerar que a impossibilidade de sentir vergonha possa ter relação com a necessidade de desconhecer o objeto como outro, mantendo com ele aspectos de indiferenciação. Sugerem ainda que o surgimento deste sentimento, no decorrer do trabalho analítico, aponta para importantes modificações no campo defensivo e na qualidade da relação transferencial do paciente.
Cabe ainda um esclarecimento a respeito do uso dos termos ego e superego e eu e supereu. Optamos por manter os termos de acordo com as escolhas dos autores.
Antes de terminar, desejo, mais uma vez, agradecer à equipe da comissão editorial sua fundamental e incansável ajuda na feitura de mais um número da Revista e desejar a todos uma boa leitura.
Downloads
Downloads
Publicado
Como Citar
Edição
Seção
Licença
Atribuo os direitos autorais que pertencem a mim, sobre o presente trabalho, à SPPA, que poderá utilizá-lo e publicá-lo pelos meios que julgar apropriados, inclusive na Internet ou em qualquer outro processamento de computador.
I attribute the copyrights that belong to me, on this work, to SPPA, which may use and publish it by the means it deems appropriate, including on the Internet or in any other computer processing.
Atribuyo los derechos de autor que me pertenecen, sobre este trabajo, a SPPA, que podrá utilizarlo y publicarlo por los medios que considere oportunos, incluso en Internet o en cualquier otro tratamiento informático.