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Tabu: proibições, preconceitos e limites
v. 31 n. 3 (2024)Ainda existem tabus, proibições, preconceitos e limites? E na psicanálise? Quais seriam? Onde surgem e como se manifestam?
Apesar do tabu trazer em si o sentido de algo inabordável, a não ser com espírito de horror, ele sempre desperta um grande interesse por sua exploração.
Os vários pontos de intersecção da psicanálise com a esfera psíquica da cultura formam um complexo de temas multifacetados que tratam do esforço coletivo para tentar dar conta do pulsional e, assim, compreender e regular as relações entre os homens. O espírito desbravador de Freud, cujos interesses estavam voltados simultaneamente aos arquivos da cultura e aos arquivos individuais, revelam-nos consonâncias entre os recalcamentos do sujeito e o traumático da cultura, levantando hipóteses para estabelecer relações da ontologia com a filogenia.
Em especial no ensaio Totem e Tabu (1912), Freud debruça-se sobre os funcionamentos primitivos, sejam civilizatórios ou mentais, e desenvolve seu raciocínio em uma zona entre o sagrado e o estranho (Unheimlich), o medo de algo diabólico e de se tornar algo diabólico, o medo e o desejo de violação. O risco do contágio incide no desejo de romper com a proibição. De acordo com o autor, a ambivalência parece ser a matéria prima constituinte do tabu, em que sentimentos de culpa e ansiedades persecutórias manifestam-se conjuntamente com veneração e luto pela perda.
Na esteira de sua pesquisa antropológica, o desenvolvimento da civilização parece seguir um caminho que parte do totemismo e vai em direção a formas de convívio nas quais a moralidade propiciaria uma vida social.
Pensando tabus e retirando-os do absolutismo, podem emergir recursos mentais mais flexíveis, arejados e diversos.
A escrita desta obra, que completa 112 anos, mais do que oferecer conclusões, é um convite a seguirmos pesquisando, refletindo sobre a complexa e multiestratificada construção tanto de nossa psique como da cultura. Em Totem e Tabu, Freud abordou temas como a ordem primeva e o ritual totêmico canibal, as religiões e as proibições, além de robustecer o conhecimento psicanalítico, sintetizando o saber antropológico, etnológico, social e filosófico de sua época.
Apesar ter sido recebido de maneira ambígua, não resta dúvida de que este ensaio brilhante está o tempo inteiro traçando e apagando as fronteiras entre o pensamento mágico e o científico. Não seria este um traçado ainda em construção, repleto de novas compreensões e, ao mesmo tempo, de novos apagamentos?
Novos tabus desafiam a nossa compreensão psicanalítica, tanto em nível do diálogo clínico quanto institucional.
Existe um sentimento generalizado de que as configurações do tempo têm privilegiado o imediatismo, a liquidez e “cancelamentos” nas relações e escolhas de vida, a incapacidade de enlutar, o hedonismo, o individualismo no mundo interconectado... quais novos tabus estão sendo produzidos? Se o tabu diz respeito ao proibido, o que esconde o exibicionismo atual que tudo mostra?
E no exercício da psicanálise, quais temas, situações e contextos poderíamos considerar como tabus? -
Meltzer - O conflito estético e o florescimento do psiquismo
v. 31 n. 2 (2024)Temos sido partícipes, protagonistas e colaboradores de uma psicanálise que não cessa de buscar e produzir expansões. Na esteira deste movimento, a atualidade e o amplo espectro de contribuições de Donald Meltzer (1922-2004), é um dos mananciais que, ao dialogar com seus antecessores e com as disciplinas afins à psicanálise, abre portas para toda uma nova configuração de nossa disciplina.
Dentre suas realizações, presentes em suas obras compostas por livros, artigos, cursos e supervisões, podemos sublinhar sua preocupação com a evolução e vicissitudes do relacionamento analítico, do mundo interno, da realidade psíquica e da maneira como duas mentes podem trabalhar de forma cooperativa.
Desde seus primeiros achados em explorações sobre o autismo, que lhe possibilitou desenvolver a teoria da bidimensionalidade da vida mental, passando pelas projeções tirânicas do claustrum e indo em direção ao nível da tridimensionalidade, suas contribuições abrem um novo campo de investigação quando afirma que o conflito estético é o fundamento subjacente ao florescimento do psíquismo.
Pensador incansável sobre o método psicanalítico, considerado um enfant terrible por alguns críticos, o fato é que, como um devotado pai comum, suas ideias têm o frescor e um poder de seguir fascinando pelo mistério, curiosidade, cultivo da criatividade, caminho do aprofundamento e da expansão de nossa ciência-arte.
Na vigência do centenário de nascimento deste autor de repercussão internacional, é com entusiasmo que propomos esta homenagem que certamente enriquecerá o profícuo diálogo psicanalítico com/e a partir de Donald Meltzer.
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Bion: transformações, evoluções e expansões II
v. 31 n. 1 (2024)Celebrando os trinta anos da Revista de Psicanálise da SPPA, duas décadas após a Seção Especial Bion Comentado, Bion Comentado - Parte 1 , Bion Comentado - Parte 2 e Bion Comentado - Parte 3, e atentos ao contínuo interesse e propagação de estudos sobre a obra de Bion e seus seguidores, propomos a publicação de um novo volume com o eixo temático: Bion: Transformações, Evoluções e Expansões.
Frente aos desafios que atualmente nos são apresentados a partir das incessantes mudanças – climáticas, sociais, sanitárias, políticas, institucionais, religiosas, tecnológicas, entre outras –, bem como as identitárias e suas consequentes demandas psíquicas, pensamos ser oportuno refletir sobre o conceito de Transformações introduzido por Bion (1965).
Nosso objetivo é conhecer e publicar as realizações que evoluem e se expandem a partir de Transformações (1965) e suas invariâncias, ideias estas que seguem reverberando e influenciando a psicanálise contemporânea.
Bion, desde seus trabalhos iniciais publicados em Experiências com Grupos (1948-1951) deixou-nos um manancial de reflexões a partir de suas experiências pessoais. Sua originalidade segue nos desafiando a refletir sobre o encontro psicanalítico na dimensão do at-one-ment, enriquecendo o pensamento e a clínica psicanalítica.
Resgatando, atualizando e transformando, esperamos que este número possa oferecer aos leitores novos vértices, visões binoculares e multifocais, além de integrar diferentes produções que contribuam para a divulgação das pesquisas e dos desenvolvimentos teóricos e clínicos relacionados ao tema.
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Bion: transformações, evoluções e expansões I
v. 30 n. 3 (2023)Celebrando os trinta anos da Revista de Psicanálise da SPPA, duas décadas após a Seção Especial Bion Comentado, Bion Comentado - Parte 1 , Bion Comentado - Parte 2 e Bion Comentado - Parte 3, e atentos ao contínuo interesse e propagação de estudos sobre a obra de Bion e seus seguidores, propomos a publicação de um novo volume com o eixo temático: Bion: Transformações, Evoluções e Expansões.
Frente aos desafios que atualmente nos são apresentados a partir das incessantes mudanças – climáticas, sociais, sanitárias, políticas, institucionais, religiosas, tecnológicas, entre outras –, bem como as identitárias e suas consequentes demandas psíquicas, pensamos ser oportuno refletir sobre o conceito de Transformações introduzido por Bion (1965).
Nosso objetivo é conhecer e publicar as realizações que evoluem e se expandem a partir de Transformações (1965) e suas invariâncias, ideias estas que seguem reverberando e influenciando a psicanálise contemporânea.
Bion, desde seus trabalhos iniciais publicados em Experiências com Grupos (1948-1951) deixou-nos um manancial de reflexões a partir de suas experiências pessoais. Sua originalidade segue nos desafiando a refletir sobre o encontro psicanalítico na dimensão do at-one-ment, enriquecendo o pensamento e a clínica psicanalítica.
Resgatando, atualizando e transformando, esperamos que este número possa oferecer aos leitores novos vértices, visões binoculares e multifocais, além de integrar diferentes produções que contribuam para a divulgação das pesquisas e dos desenvolvimentos teóricos e clínicos relacionados ao tema.
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Intra, Inter e Trans Subjetividade II
v. 30 n. 2 (2023)Quando passamos a considerar a relação de múltiplas subjetividades tanto como estruturas fluídas e intercambiantes quanto como estruturas sedimentadas, de que forma se estabelece o estatuto de sujeito e a que nível este se transforma às custas de individualidades cambiantes? Como ocorre o processo da subjetivação, suas especificidades e distorções - interesse especial da psicanálise - no sujeito inserido na cultura? Somos realmente individuados?
Freud legou-nos concepções que contemplam o movimento entre extremos, desde a subjetivação solipsista do narcisismo primário à afirmação de que a psicologia individual é antes uma psicologia social, constituída e aberta à experiência com o outro. A psicanálise, no entanto, rumou para a afirmação de que a participação do outro na formação do sujeito e a qualidade desta influência são indissociáveis. Isto já fora defendido por Ferenczi, sedimentando-se no conceito de identificação projetiva de Klein, sendo ampliado com Winnicott e Bion e seus seguidores, até alcançar expansões sobre o campo psicanalítico e as manifestações do terceiro em Green e Ogden. Este caminho veio a constituir-se em uma concepção basal à psicanálise contemporânea, sendo um elemento central na teoria e na técnica dos ramos da Psicanálise Relacional e Intersubjetiva e da Psicanálise Vincular.
Um caminho natural seria pensar a subjetividade como presente em perspectivas diferenciadas, constituindo o intrassubjetivo, o intersubjetivo e o trans subjetivo: o primeiro conteria as representações de si, do corpo, e seria composto pela pulsão, pelo desejo, pela fantasia e pelas relações de objeto; o segundo conteria a(s) representação(ões) do(s) outro(s) no psiquismo, com seus pactos e acordos inconscientes, e o terceiro conteria as representações do mundo externo real, sua dimensão física e social. Neste sentido, o sujeito, em termos intersubjetivos, seria constituído com e através das interações com os outros, tornando-se ao mesmo tempo produto e produtor de subjetividade, causa e efeito intersubjetivo. Contudo, em sendo espaços interrelacionados, como se daria esta interrelação? Seria na forma transicional de Winnicott, por um processo intermediário, mas conservando a hegemonia do primeiro espaço para a necessária constituição e estabilidade do self? Ou seria como um agregado de partes em interação, que conservam entre si relações de independência relativa, nas quais as interações múltiplas levam a uma permanente totalidade heterogênea e descontínua e em que, qualquer que seja a parte que se modifique, causaria efeito em todas as outras, ou seja, no todo?
Em relação à subjetividade inserida e constituída na grupalidade, ela sofreria uma tensão no significado do dentro e do fora e nos limites e autonomia corporal, fragilizando o conceito de indivíduo. Autores como Pichon Rivière, P. Aulagnier e Laplanche trilharam teoricamente este caminho. Em tempos mais recentes, R. Kaës apresentou o seu conceito de vínculo como algo que, autonomamente, orienta os investimentos e desinvestimentos psíquicos e corporais entre os sujeitos (intersubjetividade) ou através deles (trans subjetividade). Seguindo estes desenvolvimentos acerca de como se forma e se mantém um sujeito, quais repercussões teria na clínica psicanalítica? Observa-se que a atualidade clínica nos conduz à inclusão crescente de elementos do inter e do trans subjetivo. Tal fato poderá levar o intrapsíquico a perder sua importância metapsicológica frente aos demais espaços? Esta é uma vivência inerente ao sujeito contemporâneo ou é através do sujeito contemporâneo que a psicanálise desperta para um acréscimo conceitual e representacional? É importante nos questionarmos se a psicanálise deve seguir teórica e tecnicamente a estrutura psíquica existente ou fazer o seu papel de observar, indagar, refletir e acrescentar teorizações para mudanças técnicas.
Por outro lado, certos eventos atuais, como as migrações em massa, a pandemia da Covid-19, as mudanças climáticas, as diferentes configurações familiares, as novas sexualidades, o ressurgimento de ideologias fanáticas e a pós verdade, sobrepõem-se às individualidades e, ao acrescentar uma experiência que não se pode conceber apenas em termos de intersubjetividade, ressaltam o espaço trans subjetivo. A rapidez e a insistência em que são noticiados trazem um resquício de que está se passando algo que escapa da nossa compreensão. Estas notícias apresentarão verdades do mundo atual, constituído de eventos que evidenciam o espaço trans subjetivo em busca de integração, ou irão tratar do poder e do uso que este espaço pode ter sobre o inter e o intrassubjetivo, os quais poderiam estar sendo usados para outros fins?
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Intra, Inter e Trans Subjetividade I
v. 30 n. 1 (2023)Quando passamos a considerar a relação de múltiplas subjetividades tanto como estruturas fluídas e intercambiantes quanto como estruturas sedimentadas, de que forma se estabelece o estatuto de sujeito e a que nível este se transforma às custas de individualidades cambiantes? Como ocorre o processo da subjetivação, suas especificidades e distorções - interesse especial da psicanálise - no sujeito inserido na cultura? Somos realmente individuados?
Freud legou-nos concepções que contemplam o movimento entre extremos, desde a subjetivação solipsista do narcisismo primário à afirmação de que a psicologia individual é antes uma psicologia social, constituída e aberta à experiência com o outro. A psicanálise, no entanto, rumou para a afirmação de que a participação do outro na formação do sujeito e a qualidade desta influência são indissociáveis. Isto já fora defendido por Ferenczi, sedimentando-se no conceito de identificação projetiva de Klein, sendo ampliado com Winnicott e Bion e seus seguidores, até alcançar expansões sobre o campo psicanalítico e as manifestações do terceiro em Green e Ogden. Este caminho veio a constituir-se em uma concepção basal à psicanálise contemporânea, sendo um elemento central na teoria e na técnica dos ramos da Psicanálise Relacional e Intersubjetiva e da Psicanálise Vincular.
Um caminho natural seria pensar a subjetividade como presente em perspectivas diferenciadas, constituindo o intrassubjetivo, o intersubjetivo e o trans subjetivo: o primeiro conteria as representações de si, do corpo, e seria composto pela pulsão, pelo desejo, pela fantasia e pelas relações de objeto; o segundo conteria a(s) representação(ões) do(s) outro(s) no psiquismo, com seus pactos e acordos inconscientes, e o terceiro conteria as representações do mundo externo real, sua dimensão física e social. Neste sentido, o sujeito, em termos intersubjetivos, seria constituído com e através das interações com os outros, tornando-se ao mesmo tempo produto e produtor de subjetividade, causa e efeito intersubjetivo. Contudo, em sendo espaços interrelacionados, como se daria esta interrelação? Seria na forma transicional de Winnicott, por um processo intermediário, mas conservando a hegemonia do primeiro espaço para a necessária constituição e estabilidade do self? Ou seria como um agregado de partes em interação, que conservam entre si relações de independência relativa, nas quais as interações múltiplas levam a uma permanente totalidade heterogênea e descontínua e em que, qualquer que seja a parte que se modifique, causaria efeito em todas as outras, ou seja, no todo?
Em relação à subjetividade inserida e constituída na grupalidade, ela sofreria uma tensão no significado do dentro e do fora e nos limites e autonomia corporal, fragilizando o conceito de indivíduo. Autores como Pichon Rivière, P. Aulagnier e Laplanche trilharam teoricamente este caminho. Em tempos mais recentes, R. Kaës apresentou o seu conceito de vínculo como algo que, autonomamente, orienta os investimentos e desinvestimentos psíquicos e corporais entre os sujeitos (intersubjetividade) ou através deles (trans subjetividade). Seguindo estes desenvolvimentos acerca de como se forma e se mantém um sujeito, quais repercussões teria na clínica psicanalítica? Observa-se que a atualidade clínica nos conduz à inclusão crescente de elementos do inter e do trans subjetivo. Tal fato poderá levar o intrapsíquico a perder sua importância metapsicológica frente aos demais espaços? Esta é uma vivência inerente ao sujeito contemporâneo ou é através do sujeito contemporâneo que a psicanálise desperta para um acréscimo conceitual e representacional? É importante nos questionarmos se a psicanálise deve seguir teórica e tecnicamente a estrutura psíquica existente ou fazer o seu papel de observar, indagar, refletir e acrescentar teorizações para mudanças técnicas.
Por outro lado, certos eventos atuais, como as migrações em massa, a pandemia da Covid-19, as mudanças climáticas, as diferentes configurações familiares, as novas sexualidades, o ressurgimento de ideologias fanáticas e a pós verdade, sobrepõem-se às individualidades e, ao acrescentar uma experiência que não se pode conceber apenas em termos de intersubjetividade, ressaltam o espaço trans subjetivo. A rapidez e a insistência em que são noticiados trazem um resquício de que está se passando algo que escapa da nossa compreensão. Estas notícias apresentarão verdades do mundo atual, constituído de eventos que evidenciam o espaço trans subjetivo em busca de integração, ou irão tratar do poder e do uso que este espaço pode ter sobre o inter e o intrassubjetivo, os quais poderiam estar sendo usados para outros fins?
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Envelhecer
v. 29 n. 3 (2022)Nos dias atuais, existe um aumento significativo da porcentagem de idosos na população mundial e uma crescente mudança do papel do idoso, em que a imagem dominante – positiva ou negativa - sobre o envelhecimento vem se afastando do processo de declínio físico, evoluindo para uma construção social relacionada ao contexto histórico e econômico. Isto culmina em uma grande heterogeneidade no grupo e coloca em tensão o conceito de idoso, fazendo com que a experiência individual acabe por se impor ao papel social. Apesar dos avanços sociais, esta faixa etária apresenta características intrigantes e portadoras de um estranhamento, frequentemente manejadas nos extremos da desmentida e da infelicidade. Talvez as palavras de Freud (1926) e de Pessoa (1929) possam nos ajudar a pensar a partir do contraste de posições. Quando contava mais de 70 anos de idade, Freud, em uma conhecida entrevista dada à G.S. Viereck, diz,
(...) não me revolto contra a ordem universal, afinal vivi mais de setenta anos. Eu tive o que comer. Desfrutei de muitas coisas – do companheirismo de minha esposa, dos meus filhos, do pôr-do-sol. Eu vi as plantas crescerem na primavera, algumas vezes recebi um aperto de mão de um amigo. Uma ou duas vezes encontrei um ser humano que quase me entendeu. O que mais posso querer? (Freud, 1926)
Em uma poesia, Fernando Pessoa (Álvaro de Campos, 1929) reflete outro modo de sentir a passagem pela vida:
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos, Eu era feliz e ninguém estava morto. Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos, E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer. (...) Hoje já não faço anos. Duro. Somam-se-me dias. Serei velho quando o for. Mais nada. Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!... O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...(s/p)
Em grande parte, o envelhecer certamente constitui um processo individual e matizado pelo Eu de cada um. Se buscarmos um ponto em comum dentro da experiência do envelhecimento, talvez a percepção das expressivas mudanças corporais represente o dado mais constante e inexorável. Freud (1915) alertou-nos que, para o inconsciente, a ideia da própria morte é inacessível, bem como a passagem cronológica do tempo e, por consequência, o envelhecimento. Como na adolescência, na qual o Eu deverá sobreviver ao novo corpo e ao estatuto do gozo orgástico (Roussillon, 2013), o que este corpo em transformação pelo envelhecimento acaba nos impondo em termos de trabalho psíquico? De que forma trabalhamos as noções e os destinos pulsionais em tal fase? Quais ilusões e desilusões nos acompanham nesta etapa da vida? O que conquistamos com a experiência de envelhecer? Podemos entender que, hoje, em paralelo ao aumento da expectativa de vida, existe qualidade para este alongamento de tempo? Percebemos em nossa cultura o respeito, a consideração, a valorização ou a admiração pelo conhecimento e pela experiência de pessoas mais velhas? Ou há uma mudança de paradigma ao serem invertidas as posições, hipervalorizando a juventude, a força física e o vigor sexual da adolescência? Seria realmente possível para o ser humano tomar a vivência de generatividade proposta por Erikson (1998) como uma possibilidade? Ela contempla uma perspectiva em que a continuidade ocorre através do desejo de guiar, orientar e ajudar as novas gerações a encontrar seu lugar no mundo, permitindo ao final uma sensação de maior integridade do Eu. Reflexão e experiência, elementos essenciais para a cadeia de ciclos, funcionariam como contrapartida às vivências de estagnação. Estas seriam algumas questões concernentes à concepção psicanalítica do envelhecer, vivenciada e testemunhada pelo nosso próprio envelhecimento, bem como de nossos pacientes e analistas. Ao expandir a questão do envelhecimento enquanto processo contínuo, infinito e não restrito apenas ao universo intrapsíquico, relacionando-o ao mundo externo, observamos o envelhecer, acompanhado ou não de morte, para instituições, ideologias, conceitos, modelos, tecnologias e tendências. Desta forma, questionamo-nos se, após fases transitórias, o que sobrevém é o amadurecimento com ganho de experiência ou a morte no sentido de precisar morrer para renascer, renovar. Os vértices da continuidade progressiva mantém-se ou há rupturas? E sobre a psicanálise? Percebe-se um “ envelhecimento “ em nossos modelos de formação? Ou há renovação nos protocolos formativos e na transmissão de conhecimento para as novas gerações de psicanalistas? Em que medida as mudanças sistemáticas e frenéticas a que temos sido desafiados contemplam e evoluem nossos modelos teóricos e técnicos ou nos impulsionam a emergentes mudanças ao avançar de forma impensada, saltando entre extremos arriscados de banalização ou extinção da psicanálise?
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Psicanálise Brasileira
v. 29 n. 2 (2022)Ao propor o número temático Psicanálise Brasileira, procuramos trazer ao nosso leitor um conjunto de artigos capaz de expressar o percurso e a conjuntura atual da psicanálise exercida em nosso país, explicitando as múltiplas facetas que compõem a sua identidade, assim como suas particularidades e generalidades. Partimos de uma interrogação: existe uma Psicanálise Brasileira? Seria uma psicanálise que não se restringe à questão territorial, abarcando o âmbito dos sistemas de significações da cultura em sua totalidade, através dos quais grupos humanos encontram-se e mantém a sua coesão. Frente a isso, vislumbramos um campo relacional entre a cultura brasileira e a cultura psicanalítica desenvolvida no Brasil, tratando não somente de suas relações como também das intersecções e tensões. O que define culturalmente ser brasileiro? Assim como não há dúvida de que algo nos une em torno de uma representação homogênea, reforçando a crença de unidade, de identidade e de indivisibilidade da nação e do povo brasileiro, parece que algo também nos separa drasticamente. Neste sentido, podemos falar de Brasil? Ou de muitos “brasis”, como se refere Darcy Ribeiro (1995)? Seremos, como ele declara, “(...) A doçura mais terna e a crueldade mais atroz [que] aqui se conjugaram para fazer de nós a gente sentida e sofrida que somos e a gente insensível e brutal, que também somos”? De alguma forma, estamos condenados a andar como eternos Severinos em busca da vida - ou fuga da morte - ou seremos defensores ferrenhos de nossos latifúndios culturais e territoriais? Ao levantar estas questões, não pretendemos buscar respostas, mas considerar a contextualização do que existe de específico na psicanálise exercida no Brasil para pensar a cultura psicanalítica do e no Brasil.
A psicanálise chegou até nós a partir de construções intelectuais europeias transmitidas por uma série de precursores em SP, RS e RJ. Passadas muitas décadas, torna-se importante perguntar: em que meios ela floresceu e quais desenvolvimentos não foram alcançados? Há uma transculturação ou aculturação inerente ao processo de construção de novos elementos teóricos? Poderia este processo ser comparado ao apelo do manifesto antropofágico? Considerando que o sujeito na contemporaneidade é o sujeito em seu contexto, utilizamos conhecimento, técnica e modelos de outros locais do mundo para significar o contexto no qual estamos inseridos? Em que medida? Poderíamos pensar que Macunaíma seria um simulacro da ideia de um povo brasileiro, “temperado com bordeaux”, como refere Denilson Baniwa, artista plástico e curador da exposição ReAntropofagia, resgatando o apagamento das matrizes identitárias de povos originários brasileiros? Como (ou o quanto) a Psicanálise brasileira integra o contexto originário do Brasil? Repetimos os padrões de acesso aos serviços dos quais a maior parte da sociedade é alijada ou mantemos as especificidades que definiram sua difusão e o acesso à psicanálise? Qual a participação da história e da cultura das sociedades psicanalíticas brasileiras nos caminhos tomados? Quais vertentes teóricas ou modelos identificatórios que cada sociedade mantém e como é o processo de transformação? Quais autores nos acompanham, suas inspirações criativas e como se expandem, ou não, no território nacional e internacional da psicanálise? Como quarto eixo do processo de formação, qual a repercussão da participação institucional na atual formação de novos psicanalistas? Quais as linhas teóricas e os modelos de prática analítica que são ensinados e buscados atualmente nos institutos? Qual a distância entre o ideal buscado e a realidade possível?
A FEBRAPSI (2008), buscando uma corporeidade federativa, surgiu em 1967 como Associação Brasileira de Psicanálise. Inúmeros solavancos foram enfrentados neste caminho. Passados 40 anos, surgiu a Diretoria de Comunidade e Cultura. Como poderíamos compreender esta aquisição tardia? Quais as perspectivas e interfaces desta ampliação, que desde Freud era anunciada como um desenvolvimento previsto? Quais os avanços, limites e riscos de tal prática?
Por ser um tema em busca de construção, sugerimos estes questionamentos como estímulo e convidamos os colegas a nos contarem sobre o seu ofício psicanalítico enquanto brasileiros. Vamos examinar e relatar nossa trajetória, abordando o modo como fomos, estamos sendo e seremos formados em psicanálise no Brasil. Vamos juntos compor uma aquarela psicanalítica brasileira, ressaltando nossos tons, ritmos e notas, e assim contribuir para a integração das variáveis constituintes da psicanálise que exercemos em suas diversas expressões, identidades, processos e desenvolvimentos teóricos.
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Transitoriedade(s)
v. 29 n. 1 (2022)Em 1915, ao aceitar o convite da Sociedade Goethe de Berlim para colaborar na produção de um volume comemorativo, O país de Goethe, Freud deixou-nos um breve e instigante texto. Nele, somos convidados a realizar inúmeras e oportunas reflexões sobre os sentimentos em situações de luto e de melancolia, então vigentes, e que hoje são atualizados pelas sensações que vivemos de contínua espera e imprevisibilidade do retorno, pelas sucessivas parcialidades dos progressos e, especialmente, pelo luto reiterado e cotidiano.
Freud inicia o texto com uma bela frase: “Não faz muito tempo empreendi, num dia de verão, uma caminhada através de campos sorridentes na companhia de um amigo taciturno e de um poeta jovem, mas já famoso (...)”. O jovem poeta afirmava-se triste por constatar que toda a beleza natural que os cercava, e também aquela criada pelos homens, estavam fadadas ao perecimento. No caminho oposto ao desalento do poeta, estaria a concepção de que nada poderia destruir a beleza do mundo de nossas sensações e, por conseguinte, a exigência de imortalidade. Freud reflete sobre tal perecidade e, justamente por isso, encontra admiração e encanto na transitoriedade, no ir e vir, no eterno retorno, na fruição estética pela fugacidade inerente a esse movimento: morrer, renascer, brotar, crescer, desenvolver-se, envelhecer e novamente morrer. Concluirá, então, que somente o enfrentamento do trabalho de luto, presente na transitoriedade das inusitadas experiências, poderá liberar o indivíduo para o profundo ato de viver e seus sucessivos reinvestimentos.
Consideramos que frutíferas reflexões podem surgir a partir da percepção da transitoriedade em tudo o que vivemos: o bem, o belo e o bom; o mal, o repugnante e o sinistro. Transitoriedade em seus múltiplos domínios de significado, indo da suavidade, delicadeza, leveza, fluidez, tenuidade, passando por fugacidade, celeridade, imediatez, pressa, até chegar à perecidade. Desta forma, estando inseridos no inesperado e no violento que nos atinge e que nos remete à nossa inevitável solidão, dependência, desamparo e impotência frente à morte, surge o tema das perdas, do luto, mas que, ao mesmo tempo, brinda-nos com um sentimento de renovação. Há necessidade de inverno para que brotem novas sementes. Há necessidade da morte para que a Vida ressurja. Como Freud fez ao abordar também o valor da escassez do tempo, existe na transitoriedade uma beleza que condensa a eternidade de um segundo. O tempo, o nosso tempo, passa a ser mais um vértice de potencial inspiração criativa.
Nesse clima de ir e vir, encerrar e recomeçar, como pensamos e sentimos hoje a transitoriedade? O que entendemos e como lidamos com essa percepção e vivência? De que forma o nosso fazer Psicanálise, o nosso pensar a teoria, dialoga, considera ou é nutrido pelas nossas transitoriedades? E o repúdio, a cisão, os extravasamentos, eles indicariam limites de consideração pelo nosso transitório?
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O novo mal-estar na civilização: Elaborações
v. 28 n. 3 (2021)Frente a todo esse complexo cenário, a Revista de Psicanálise da SPPA propõe a publicação de uma série de reflexões sobre este mal-estar epidêmico e sobre a crise da civilização por meio de um ano temático a ser constituído por uma trilogia, nomeada O NOVO MAL-ESTAR NA CIVILIZAÇÃO.
Completa a trilogia o número ELABORAÇÕES, que oferece espaço para textos sobre aspectos ligados à necessidade e à importância de, no tempo possível, pensarmos limites e buscarmos recursos para os encaminhamentos psíquicos e transformações possíveis advindos destas vivências.
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O novo mal-estar na civilização: Repercussões na técnica
v. 28 n. 2 (2021)Frente a todo esse complexo cenário, a Revista de Psicanálise da SPPA propõe a publicação de uma série de reflexões sobre este mal-estar epidêmico e sobre a crise da civilização por meio de um ano temático a ser constituído por uma trilogia, nomeada O NOVO MAL-ESTAR NA CIVILIZAÇÃO.
O segundo número publicado em fluxo contínuo, intitulado REPERCUSSÕES NA TÉCNICA, trata de estudos acerca do impacto deste contexto na técnica psicanalítica a partir da necessidade de estabelecer novas fronteiras e interfaces da psicanálise.
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O novo mal-estar na civilização: Disrupções
v. 28 n. 1 (2021)Frente a todo esse complexo cenário, a Revista de Psicanálise da SPPA propõe a publicação de uma série de reflexões sobre este mal-estar epidêmico e sobre a crise da civilização por meio de um ano temático a ser constituído por uma trilogia, nomeada O NOVO MAL-ESTAR NA CIVILIZAÇÃO.
Apresentaremos, em fluxo contínuo, um conjunto de manifestações intra e inter psíquicas, relacionadas com este processo neste no primeiro número denominado DISRUPÇÕES.