Convite à escrita

Call for papers - Convite para envio de artigos a serem avaliados com fins de publicação

Revista de Psicanálise da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre

Volume temático: TRAUMA E SOBREVIVÊNCIA PSÍQUICA

 

            Prezado(a) colega,

            Esta carta que ora endereçamos a você, deve ser breve o suficiente para ocupar o espaço de poucas páginas, ao mesmo tempo em que abrangente o bastante para sugerir temas e questões que o(a) estimulem a participar do novo número da Revista.

            Iniciamos nosso convite recordando que, nas origens da psicanálise, o estudo do traumático já ocupava posição central no pensamento freudiano, entendido como o que rompe a camada que protege o excesso de estimulação (1920). E que, ao longo de sua obra, apresentou três diferentes modelos de compreensão do fenômeno. 

            Dando um passo adiante, salientamos a potência heurística legada por Freud em autores como Ferenczi (trauma em dois tempos), Laplanche (teoria da sedução generalizada), Winnicott (trauma como invasões do ambiente), Lacan (mantém a tensão entre trauma e pulsão), Green (a destrutividade atacando o próprio eu), Philip M. Bromberg (trauma relacional), apenas para citar algumas valiosas contribuições que robusteceram a compreensão sobre o tema. 

            Reconhecemos, junto a Anna Freud (1967) seu chamado de atenção para a polissemia do termo trauma no campo psicanalítico, que produziu tão ampla gama de interpretações a ponto de correr o risco de perder seu valor conceitual. 

            O roteiro histórico desta carta convite também poderia começar ao revés, situando de imediato a história do presente, esta que nos apresenta novas facetas do traumático.  Muitas são as marcas que têm sofrido nosso psiquismo em meio a situações catastróficas, reveladas através das guerras do século XXI, que não fogem à observação de Segal (1987) de mais parecerem fenômenos surreais, produtores de um pensamento não suportável, das violências e invasões de toda ordem, das fake News, das mudanças climáticas extremas, condições que produzem angústias em excesso. Por vezes, o trabalho elaborativo do après coup parece ser insuficiente para fazer frente ao intempestivo que nos desaloja de nossa história anterior. Apresentam-se situações para as quais a lógica de buscar os recursos na reminiscência, na história passada, nas formas identitárias, podem já não ser mais suficientes para garantir a sobrevivência psíquica.

            O caminho das estruturas sólidas da modernidade apontava sua flexa para o futuro baseada na crença do progresso científico.  O controverso conceito de progresso que dali evoluiu, não somente esfumaçou as sólidas estruturas da modernidade, dando espaço às formações sociais líquidas, imprecisas e impermanentes da contemporaneidade, quanto nos deixa perplexos frente à pergunta se ainda existirá um futuro. 

            Dependerá, nossa sobrevivência psíquica, de irmos nos desalojando de nossas hegemônicas estruturas sólidas conhecidas para darmos lugar a contextos nos quais as marcas traumáticas produzam novas experiências subjetivantes?  Não mais um “voltar ao equilíbrio anterior”, mas criar ferramentas conceituais e clínicas que tanto possam associar com o passado quanto produzir novas inscrições na realidade?

            Brown (2006) sugere que um dos pilares da camada protetora é a capacidade de pensar, sonhar e imaginar. Estas capacidades são relacionadas (ou dependentes) de experiências precoces positivas com a mãe contendo, transformando e mentalizando o que o bebê projeta. E esta interação continente-transformante que vai se instalando no bebê como parte do aparato da função alfa. (Bion, 1962).

            A análise de pacientes severamente traumatizados diz respeito à busca por retomar o desenvolvimento normal de conversão de elementos beta em elementos alfa, transformando fatos indigestos em memória e ajudando estes pacientes a integrar-historicizar estas memórias no seu senso de identidade. Oferecer função alfa para ajudar a lidar com o insuportável, para pensar o impensável e para transformar o que Ogden 2004) chama de undreamable experience.

            Embora não esqueçamos que o trauma psíquico é vivido e processado por cada sujeito em sua singularidade, observamos que os abalos sofridos pelas populações, seja em nível regional ou planetário, têm nos envolvido coletivamente, como cidadãos e como analistas.   Somos partícipes e testemunhas, junto a nossos analisandos, dos mesmos acontecimentos – pontos de origem, nos quais um inexistente passa a existir (Badiou, 1966).

            Quase impossível antecipar, tal como ocorreu recentemente, que o Estado do Rio Grande do Sul teria 87 por centro de sua extensão territorial debaixo d’água num período que mal ultrapassou uma semana.  E testemunhar as consequências para os milhões de vidas que perderam suas casas/corpos, suas cidades, seus trabalhos, grande parte de sua dignidade e esperança.  Quão mais complexa se torna a neutralidade analítica quando analistas e pacientes vivem em mundos superpostos (Puget e Wenders, 2021) partícipes de uma mesma catástrofe que os atravessa.  E quão necessária foi a participação dos analistas e das instituições psicanalíticas, criando, inventando novas formas de acolher o sofrimento humano em meio ao acontecimento, este que nunca vem acompanhado de bússulas ou manual de instruções.

            A questão de por onde iniciar a carta-convite parece não ser mais necessária.  Seja pelo passado ou pelo presente, contribuições psicanalíticas clássicas e contemporâneas, todas apontam para a importância de seguirmos estudando e produzindo conhecimento.  Consideramos que escrever sobre trauma e sobrevivência psíquica também pode ser uma forma de sublimar o impacto das situações traumáticas que envolve todos nós.  Resta-nos renovar o convite a compartilhar suas ideias, reflexões, experiências, desejando que receba este chamado à escrita com o mesmo entusiasmo com o qual estamos lhe enviando esta carta.

As diretrizes para Submissão encontram-se em nosso site na aba Diretrizes para Autores. https://revista.sppa.org.br/RPdaSPPA/Diretrizes

Caso tenha alguma dúvida ou necessite de mais informações, não hesite em entrar em contato por e-mail,  revista@sppa.org.br ou pelo telefone +55 51 984870158 (WhatsApp) com a bibliotecária Eunice Schwaste.

Aguardamos sua contribuição até 15 de novembro de 2024.

Atenciosamente,

 

Ana Cristina Pandolfo

Editora Chefe   

 

Elena Tomasel

Karem Caineli

Regina Orgler Sordi

Editoras Associadas