Editorial

Autores

  • Zelig Libermann Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre / International Psychoanalytical Association

DOI:

https://doi.org/10.5281/sppa%20revista.v16i1.294

Resumo

O estágio atual da humanidade é uma amostra da infinidade de progressos científicos, culturais, políticos e sociais que se consolidaram através dos tempos. Seguindo-se a linha do tempo da história ocidental, da Antiguidade, por exemplo, destaca-se a influência das tradições grega e romana. A filosofia e o teatro grego bem como o Direito Romano são exemplos vivos da presença dessas culturas ancestrais no mundo contemporâneo.

Embora os séculos que se seguiram à queda do Império Romano sejam conhecidos como a Idade das Trevas, na qual houve um afastamento em relação à cultura da civilização clássica, inúmeros acontecimentos geopolíticos contribuíram para consolidar o surgimento de nações que passariam a ter enorme influência na história da civilização. E entre esses países encontra-se aquele que em 2009 recebeu muitas homenagens no Brasil: a França.

Com uma história progressiva de aglutinação dos povos francos que remonta ao século V, a França deixou sua marca no Renascimento dos séculos XIV a XVI e no Iluminismo do século XVIII, movimentos políticos e culturais transformadores da cultura medieval. No entanto, talvez a maior contribuição da França para a história da civilização tenha sido a Revolução Francesa de 1789 com seu lema Liberté, Égalité, Fraternité e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. A vocação humanista da cultura francesa se manifestou também nos progressos do atendimento à saúde mental. Philippe Pinel, médico francês que viveu entre 1745 e 1826, foi um pioneiro no tratamento humanitário de doentes mentais ao libertá-los das correntes às quais viviam aprisionados. Fez isso primeiro em um asilo para doentes mentais masculinos. Em 1795, nomeado médico-chefe do Hospício da Salpêtrière, aplicou neste hospital os mesmos métodos, libertando pacientes acorrentados há várias décadas. Outro médico francês importante para a história da psiquiatria que trabalhou e lecionou nesse hospital foi Esquirol. Curiosamente, Salpêtrière ligou a França aos primórdios da psicanálise.

Foi em suas dependências que Freud assistiu, em sua estada em Paris, entre 1885 e 1886, às aulas de Jean-Martin Charcot. Nas induções de quadros histéricos através da hipnose, realizadas pelo professor francês, Freud encontrou subsídios para as ideias que vinha cultivando sobre a origem psíquica dos fenômenos de histeria. Cabe salientar que, na mesma época, outros pesquisadores franceses, como Pierre Janet e Hippolyte Bernheim, por exemplo, também faziam pesquisas sobre hipnose e fenômenos histéricos.

Apesar dessa relação primordial de Freud com a psiquiatria francesa, somente em 1926 surgiu a Sociedade Psicanalítica de Paris, a primeira a ser fundada na França. Desde então o movimento psicanalítico francês, com uma movimentada história de cisões e criação de novos grupos, participa ativamente do debate em psicanálise. Não por acaso, inúmeros expoentes franceses contribuíram para tornar a psicanálise francesa uma das “escolas psicanalíticas” que tem sua marca na profunda ligação com as teorias das pulsões e da metapsicologia freudiana. A denominada “escola francesa de psicanálise” tem sido uma presença frequente na SPPA, tanto pelas visitas de vários de seus membros quanto pela publicação de artigos de psicanalistas franceses em nossa Revista. Esse laço tornouse mais estreito a partir da recente aprovação da SPPA, junto com a Sociedade de Psicanálise de São Paulo (SBPSP) e com a Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro (RIO-2), como Sociedade Componente do Congresso de Psicanálise de Línguas Francesas (CPFL) em maio de 2009, em sua 69ª edição.

A inclusão da SPPA nessa categoria teve início em 2003, quando nossa colega Luciane Falcão participou da edição em Lyon e iniciou contatos que redundaram, desde então, em uma participação ativa de nossa Sociedade, ao lado da SBPSP e da RIO-2, nesse evento. A SPPA tornou-se representante do CPLF, passou a organizar os Grupos de Estudos Preparatórios para esses congressos, além de responsabilizar-se pela elaboração da tradução dos respectivos relatórios, permitindo que mais colegas brasileiros tenham acesso à psicanálise francesa contemporânea.

Com essa história de uma convivência profícua, o ano consagrado à França no Brasil inspirou a SPPA a homenagear a psicanálise francesa. Assim, a Revista, engajada na iniciativa do conjunto da SPPA, dedica este número à publicação de artigos de psicanalistas formados na tradição da psicanálise francesa e de colegas de nossa Sociedade.

Na conferência Verdade/Hipótese, proferida na atividade de abertura do calendário científico da SPPA, nosso colega Romualdo Romanowski, a partir de duas tradições francesas, a filosofia e a psicanálise, aborda a importância de se admitir o caráter provisório do que muitas vezes é apresentado como a verdade. O après-coup também pode ser considerado um clássico francês. Embora seja um conceito formulado por Freud, o après-coup, durante anos ausente das formulações e debates psicanalíticos, retornou à cena psicanalítica através das contribuições de Jacques Lacan e, depois dele, de outros psicanalistas franceses. Tema central do CPLF de 2009, esse fenômeno do funcionamento psíquico é debatido por Bernard Chervet em O après-coup. O traço perdido e sua mises en abyme, um dos relatórios oficiais do referido congresso.

O artigo de Bernardo Chervet é comentado por Luciane Facão, psicanalista SPPA, que analisa o destaque do autor francês quanto à presença do aprèscoup como um vértice do funcionamento psíquico desde a sua origem.

A associatividade e as linguagens não verbais é o artigo do psicanalista francês René Roussillon, que será debatido na visita do autor à SPPA em outubro de 2009, durante uma atividade dedicada à psicanálise francesa como parte do Ano da França no Brasil. René Roussillon destaca a escuta associativa em psicanálise, propondo que esse fenômeno apresenta um polimorfismo e uma mescla da linguagem verbal com outras formas de linguagem não verbal tais como a linguagem dos afetos ou a dos atos. O texto de René Roussillon é acompanhado pelo comentário de Roaldo Machado, psicanalista da SPPA, e será apresentado na atividade referida acima como um primeiro estímulo ao debate.

Juan Eduardo Tesone, psicanalista da Associação de Psicanálise da Argentina da Sociedade Psicanalítica de Paris, nos apresenta Comemorar, rememorar, esquecer. O texto ressalta a importância de o sujeito se libertar de certa memória morta, mantendo ativas as possibilidades de operar na ressignificação après-coup e num porvir diferente da mera repetição.

Figuras da protomelancolia: origem das psicoses é a contribuição de Admar Horn, psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro e da Sociedade Psicanalítica de Paris para esse número dedicado à psicanálise francesa. Nesse artigo, o autor aborda as situações psicóticas e sua origem num fundo melancólico, protomelancólico como dificuldade frente a um tratamento psicanalítico.

Considerando-se que, em psicanálise, uma das melhores maneiras de prestar uma homenagem é através da divulgação de ideias, esperamos que esta edição represente uma amostra significativa do pensamento psicanalítico francês contemporâneo. Com a palavra nossos leitores.

 

Abril de 2009.

 

Zelig Libermann
Editor da Revista de Psicanálise da SPPA

Downloads

Não há dados estatísticos.

Downloads

Publicado

04-08-2017

Como Citar

Libermann, Z. (2017). Editorial. Revista De Psicanálise Da SPPA, 16(1), 7–9. https://doi.org/10.5281/sppa revista.v16i1.294