Editorial
Abstract
Prezados(as) leitores(as)
Estamos muitos satisfeitos com a produção de mais um número de nossa Revista: INTRA, INTER E TRANS SUBJETIVIDADE. Especialmente satisfeitos pela boa resposta da comunidade psicanalítica, que culminou no grande afluxo de artigos de elevada qualidade, determinando a edição de dois números temáticos, que serão publicados on-line, impressos e remetidos praticamente em conjunto.
A edição destes números coincide com a comemoração dos 60 anos da SPPA e dos 30 anos da Revista, dois fatos que nos enchem de alegria e orgulho, pela solidez e seriedade de nossa instituição, por sua saúde administrativa e, sobretudo, pelo visível processo de renovação que se encontra em curso. Este processo é observado, por exemplo, no forte clima de pertencimento entre os membros, com a ampliação do número de membros associados e efetivos, e no acolhimento da multiplicidade de vértices teóricos em diálogo. A renovação fica ainda evidenciada pelas gerações de colegas que souberam tanto investir, manter e fazer crescer a instituição, quanto preparar a sua substituição pelos mais novos.
O aniversário da Revista, um marco de excelência no meio editorial psicanalítico brasileiro, convida-nos a refletir sobre seu percurso e seus rumos. Naturalmente, o nosso periódico contou com o árduo trabalho de muitas comissões editoriais, que sempre buscaram oferecer ao público conteúdos teóricos e clínicos relevantes, mantendo uma escuta conjunta às ideias contemporâneas e à revisita de temas que precisam ser rediscutidos. Agora, inserida em um movimento mais amplo de nossa sociedade, a Revista surge com uma nova capa, fruto de um trabalho integrado de renovação da identidade visual da instituição, sendo ampliada com a seção de resenhas e com a busca de um diálogo mais constante com disciplinas capazes de possibilitar a ampliação do pensamento psicanalítico. Estamos muito animados com os caminhos que pretendemos percorrer ao acompanhar o processo institucional da SPPA.
Os ciclos da vida, naturais e inevitáveis, são igualmente necessários, mas não são isentos de dor, mesmo quando podemos contar com um ritmo que nos assegure uma previsibilidade protetora ou que nos permita um novo e estimulante campo de ação. Ternamente embalado pela canção que diz “(...) E assim chegar e partir. São dois lados na mesma viagem. O trem que chega é o mesmo trem da partida. A hora do encontro é também despedida. A plataforma dessa estação. É a vida desse meu lugar. É a vida desse meu lugar. É a vida (...)”, também se anuncia aqui o término de meu ciclo na Revista. Iniciei como membro da comissão em 2014, passando a Editor Associado no segundo semestre de 2019 e, no ano seguinte, tornei-me Editor Chefe. Além de agradecer à SPPA pelo apoio constante e pela oportunidade de estar à frente da Revista, sou muitíssimo agradecido a todos e a cada um dos membros da comissão editorial. São eles que fazem a companhia viva no cotidiano do trabalho; são eles que, movidos pelo amor à psicanálise, nutrem o efeito transformador do grupo, trazendo os vieses desafiadores necessários para o crescimento. Cada novo número temático contou sempre com o olhar encantado, sensível e cuidador de cada membro.
Faço ainda um agradecimento muito especial às Editoras Associadas Ana C. Pandolfo e Elena Tomasel. Além da divisão das inúmeras tarefas necessárias a cada publicação, desde a concepção temática até a sua efetiva impressão, elas foram incansáveis ao manter, em conjunto, tanto o apoio ao meu pensamento quanto a alteridade para interrogá-lo e inquietá-lo. Graças a esta sensibilidade criativa, cresci muito. O seguimento de Ana como Editora Chefe, a partir do número 3 de 2023, muito me anima e tranquiliza, em virtude de sua independência, seriedade, transformabilidade e vinculação com o trabalho e com os demais membros da comissão. O tema proposto neste número busca estudar o processo de subjetivação na dialética entre sistemas abertos e fechados, suas especificidades e distorções, que culminaria na constituição do que se chama de indivíduo. Como sabemos, Freud se posiciona inicialmente tendendo ao solipsismo, mas conclui que a psicologia individual é antes uma psicologia social. Assim, a presença do outro é inelutavelmente considerada como essencial na constituição do Eu, seja como simples destino pulsional, seja como elemento inaugural ou ainda como existência necessária e vitalícia para a sustentação do si. Entretanto, observa-se, ainda na psicanálise, uma alternância entre posições intra e intersubjetivas, senão como estatutos excludentes, pelo menos como centralidade do pensamento teórico e clínico. Em linhas gerais, poder-se-ia dizer que o sujeito singular seria constituído com e através das interações com os outros, de forma que todo sujeito seria, ao mesmo tempo, produto e produtor de subjetividade, causa e efeito intersubjetivo. Desenvolvimentos um tanto à margem do corpo psicanalítico acrescentam o vértice do atravessamento do trans subjetivo. Propusemos, assim, uma reflexão teóricoclínica na qual intra, inter e trans subjetividade pudessem ser consideradas de forma conjunta ou que suas relações fossem aventadas, permitindo a construção de concepções mais integradas do psiquismo. Mapeamos e agrupamos os artigos no número 1 e no número 2, buscando um certo encadeamento a partir do vértice adotado pelos autores com o objetivo de obter maior fluidez na leitura. Neste número, começamos prestando uma homenagem a Carlos Gari Faria, que recentemente nos deixou. Quem teve a oportunidade de acompanhar o seu trabalho psicanalítico, seja como professor, supervisor ou paciente, imagino que concordaria que suas palavras sempre eram colocadas no momento e na dose exata, apesar de muitas vezes elas parecerem econômicas, em especial quando se pensa em tudo que poderia ser dito por alguém na sua posição. Entretanto, logo ficava evidente a vastidão e a profundidade de seu pensamento, assim como a noção de que somente o necessário apagamento narcísico e o profundo respeito às capacidades do ouvinte, aliados à impressionante percepção da microscopia do processo, sem qualquer afastamento afetivo, o conduziam. Desta forma, ao invés de homenageá-lo com uma proliferação de palavras, pedimos que Maria Lucrécia Scherer Zavaschi, amiga e colega de longa data, escrevesse livremente e, assim, temos a Carta ao Amigo. Abrimos o conteúdo temático com a publicação de Entre Merleau-Ponty e Civitarese: o campo da intersubjetividade, de João A. Frayze-Pereira. O autor realiza um estudo minucioso das ideias de Merleau-Ponty sobre o estudo da intersubjetividade, que visa oferecer os fundamentos necessários para sustentar conceitualmente o campo analítico como campo intersubjetivo e a possibilidade de um modo de pensar entre-dois. Virtualidade esta na qual um corpo simbólico se desenvolveria e, apoiado em Civitarese, o autor destaca a vital importância desta ideias tanto para a clínica psicanalítica como para a relação entre a psicanálise e a cultura. A seguir, Nelson Ernesto Coelho Junior, em Intersubjetividade, prazer e vitalização na psicanálise contemporânea: revisitando conceitos e experiências, articula o conceito de intersubjetividade na psicanálise contemporânea, apresentando a co-corporeidade como elemento diferencial no processo de vitalização e revitalização da dinâmica intersubjetiva, a qual foi atingida pelas modificações técnicas decorrentes do atendimento durante a pandemia da Covid-19. Patricia Vianna Getlinger, por sua vez, em Fenômenos intersubjetivos e comunicação em análise: um ensaio teórico clínico, parte de uma experiência clínica e realiza um percurso histórico acerca das modificaçõ es técnicas e conceituais em torno dos fenômenos intersubjetivos na psicanálise contemporânea. Estes, juntamente com os intrapsíquicos, se manifestariam em concepções psicanalíticas como Quimera psicológica, Terceiro analítico intersubjetivo ou reverie somática, sendo relacionados à elaboraçã o – consciente e inconsciente, verbal e não verbal –, para, ao final, resultar na transformaçã o da reverie em elementos simbólicos. Na sequência, o artigo Considerações psicanalíticas sobre a intersubjetividade no contexto de família e casal, de David Maldavsky (in memoriam), Gley P. Costa, Liliana H. Alvarez e Nilda E. Neves, apresenta as 10 leis que regem os vínculos entre os indivíduos de um grupo familiar, conjugal ou de outra natureza de Maldavsky, passando a estudá-las em situações familiares e conjugais nas quais são abolidos os limites do indivíduo, configurando uma situação de trans subjetividade. Completando este número temático, publicamos dois artigos que se voltam ao estudo da primitiva relação entre mãe e bebê, status nascendi da intersubjetividade. Inicialmente, no artigo Primeiro ano de vida e Memória, escrito por David Rosenfeld, o autor, depois de discorrer sobre o conceito de trauma em Freud, volta-se às contribuições intersubjetivas de Winnicott e Klein e, em seguida, aborda as concepções sobre a primitiva formação do Eu apresentadas por Bick, Anzieu e a escola psicossomática de Marty, para introduzir a ideia original de que a criança autista se comunica através de alucinações sensoriais que se fixaram na memória do seu corpo, trazidas pelo contato com as pessoas que cuidaram dela na primeira infância. Com a apresentação de quatro vinhetas clínicas, o artigo busca ainda demonstrar que os traumas vividos na primeira infância reaparecem e se expressam na vida adulta através do corpo, cabendo ao analista a sensibilidade e a criatividade necessárias para receber estas formas pouco comuns de comunicação. A seguir, Nazur Aragonez de Vasconcellos, em O protobrincar e o processo de subjetivação: o que isso me ensina?, estuda o brincar primitivo do bebê, que irá assegurar as bases constituintes do futuro Eu simbólico, ao se constituir em um processo de subjetivação inicial que ocorre pelo encontro intersubjetivo com o outro. Na seção Temas Diversos, apresentamos o artigo Os tempos do trauma e os traumas do nosso tempo: um estudo teórico-clínico a partir de Freud, Ferenczi e Winnicott, de Bárbara Imperador da Rosa e Luis Augusto Roncato da Silva, que trata do conceito de trauma em Freud, Ferenczi e Winnicott e, ao abordar um material clínico, considera a coexistência destas três concepções de trauma, não como excludentes, mas sim complementares. A seguir, em Os tempos da fantasia e o sujeito do inconsciente, Claudia Rodrigues Pádua Salgado Beato, Daniela Scheinkman Chatelard, Eduardo Portela Nunes Braga, Eduardo Ribeiro Vasconcelos e Patrícia da Cunha Pacheco Valéria Rilho, utilizando a teorização lacaniana, estudam as diferentes modalidades do fantasiar observadas em três atividades: o brincar da criança, o devanear do púbere e a criação poética do escritor. Finalizando este número, abrimos a seção de Resenhas com a detalhada leitura do livro Dark matter of the mind: the culturally articulated unconscious, de Daniel L. Everett, realizada por Aline André Rodrigues Wageck, tratando de como o autor desenvolve uma concepção de inconsciente em íntima relação com a cultura, questão diretamente relacionada com a temática aqui proposta. Desejamos uma agradável e produtiva leitura a todos! Renato Moraes Lucas Editor Chefe da Revista de Psicanálise da SPPA
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