Editorial
Palabras clave:
Cem anos da IPA, 46º Congresso da IPA, Preconceito, PsicanáliseResumen
No capítulo VII de A interpretação dos sonhos, livro considerado o texto inaugural da psicanálise, Freud considera que o psiquismo humano se forma paulatinamente. Ao longo desse desenvolvimento, a relação do indivíduo com o mundo externo se organiza através de lógicas sucessivas que apontam para a integração dos vários elementos da mente.
De acordo com Freud, quanto mais primitiva é a fase do desenvolvimento, menos integrada é a organização. Assim, nos primeiros tempos da vida humana, a lógica vigente é a da simultaneidade, isto é, a satisfação da necessidade simultânea à instalação dessa necessidade, condizente com o estágio de narcisismo primário. Posteriormente, as lógicas psíquicas vão incorporando os elementos do mundo externo como espaço, tempo e relação de causa e efeito.
Vinculado a esse desenvolvimento encontramos outro elemento constituinte do psiquismo humano: os juízos. Segundo Freud, no processo de formação da mente, o juízo mais primitivo, ligado ao princípio do prazer, é o de atribuição. Nesse tipo de julgamento, antes de conhecermos a condição real do mundo externo atribuímos aos estímulos a condição de bom ou mau. Somente com a instauração do princípio da realidade pode-se contrabalançá-lo com o juízo de realidade, ou seja, antes de considerar algo como bom ou mau é preciso reconhecer sua existência.
Como se sabe, para Freud, tudo aquilo que, algum dia, se formou na vida mental não desaparece, sempre pode ser trazido à luz novamente. Por isso, mesmo depois de passar por todas as etapas do crescimento mental, o ser humano pode se defrontar com situações nas quais as lógicas mais primitivas condicionam o pensamento e o comportamento. Podemos considerar que esse seja um dos fatores presentes no fenômeno do preconceito, em que pese todos os outros aspectos a serem considerados nas mais diversas áreas do conhecimento.
Quando o indivíduo ou o grupo pautam suas relações com a realidade por juízos de atribuição antes que pela capacidade de avaliar os dados colhidos pelos sentidos da percepção, os movimentos da mente estarão condicionados, predominantemente, pelos conteúdos do mundo interno. Nesse caso, poderão prevalecer nossas emoções, fantasias, temores, defesas, etc. em detrimento da razão e da avaliação crítica.
Essas questões metapsicológicas e também as características do trabalho psicanalítico, no qual buscamos a neutralidade possível frente aos conflitos de nossos pacientes, nos fizeram pensar sobre a importância de dedicarmos um espaço na Revista para tratarmos do tema Preconceitos: implicações psicanalíticas.
O tema do preconceito nos permitiu uma celebração do centenário da Associação Internacional de Psicanálise (IPA), comemorado em 2010. Tal fato se deve à satisfação de publicarmos, neste número especial, o painel apresentado em julho de 2009, durante o 46º Congresso da IPA, que tem como base o tema Preconceito e Psicanálise, elaborado pelo Comitê sobre Preconceito de nossa Associação Internacional, no período de 2004 a 2009, sob a coordenação de Janine Puget.
Nesse texto encontramos uma situação clínica relatada pela colega Myriam Grynberg, psicanalista da Associação Mexicana de Psicanálise, que permitiu o interessante debate levado a cabo por Fanny Blank-Cereijido, também psicanalista da Associação Mexicana de Psicanálise, Silvia Amati Sas, membro da Sociedade Italiana de Psicanálise e Viviane Mondrzak, psicanalista da SPPA.
Ainda como parte do espaço dedicado ao tema do preconceito, publicamos o artigo Impacto da cultura ambiente sobre a interpretação do material clínico, de autoria de Gilbert Diatkine, psicanalista da Sociedade Psicanalítica de Paris.
Considerando-se as ideias de Freud citadas acima, podemos afirmar que um elemento importante para o predomínio do juízo de realidade sobre o juízo de atribuição seria a produção de conhecimento.
Nesse sentido, a publicação dos trabalhos do IV Simpósio sobre Pesquisa em Psicanálise, realizado pela SPPA, em abril de 2010, é uma forma de divulgação dos conhecimentos que estão sendo produzidos nesta área. Os artigos, Avaliação de resultados dos tratamentos psicanalíticos: instrumentos da metodologia qualitativa como recursos possíveis, Pesquisa em psicanálise e Complexificação em psicanálise: um metro para medir, bem como os comentários de Sérgio de Paula Ramos, Sidnei Schestatsky, César Brito, Maria Lucrécia Zavaschi, psicanalistas da SPPA e de Maria Lúcia Tiellet Nunes, professora Titular de psicologia da PUCRS e Simone Hauck, doutora em psiquiatria, psiquiatra do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, constituirão um estímulo para que nossos leitores entrem em contato com a pesquisa em psicanálise.
Complementando a divulgação da produção de conhecimento em psicanálise, publicamos As concepções sobre a mente primitiva no discurso de psicanalistas: um tema em pesquisa, artigo que relata um estudo sobre a forma como os psicanalistas definem o conceito de mente primitiva.
Encerrando esse número o leitor poderá conhecer um pouco mais da história e das ideias do psicanalista francês René Roussillon, que, em sua visita à SPPA, em outubro de 2009, concedeu uma entrevista ao Conselho Editorial da Revista.
Desejo uma boa leitura a todos.
Zelig Libermann
Editor da Revista de Psicanálise da SPPA
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