Editorial
DOI:
https://doi.org/10.5281/sppa%20revista.v12i1.304Resumen
Este número da Revista de Psicanálise da SPPA foi se constituindo quase por acaso, em um amplo debate sobre as interações entre o intrapsíquico e o social. Nele se destacam as ações da realidade externa sobre o psiquismo humano. Podemos acompanhar nos textos a seguir que essa interação influencia a técnica psicanalítica e as comunicações científicas que, por sua vez, influenciam fenômenos do mundo social.O acaso desse debate só não é total porque os psicanalistas cada vez mais retomam o interesse por entender, através das situações traumáticas, aspectos da constituição e transformações do mundo psíquico sob a força coerciva do mundo externo. As situações traumáticas e o cotidiano da violência retomam, pois, um lugar presente no entendimento do desenvolvimento psíquico, ora como fator agudo, ora como pano de fundo sobre o qual as experiências vitais do sujeito necessitam ser re-significadas e elaboradas. O traumático penetra nos consultórios dos psicanalistas sob muitas formas cujas manifestações se impõem ao trabalho da clínica. Mais além da clínica, a psicanálise, por seu corpo de conhecimento aprimorado ao longo dos anos, é convocada para instrumentar a compreensão, ainda que parcial, dos complexos fenômenos do trauma e da violência humanos.
Fruto do Simpósio da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre sobre trauma e violência, publicamos três textos apresentados naquele evento. Em A violência de Deus, Sérgio Paulo Rouanet aborda o fundamentalismo religioso como resultante de uma reação diferida ao trauma coletivo conseqüente à transição do homem moderno para o contemporâneo. Em Destruição da cultura, destruição de significados e representações, Leopoldo Nosek destaca que a cultura tem para a coletividade a mesma função que o sonho para o indivíduo, isto é, fornecer significados e sentidos que permitem o povoamento do mundo interno dos sujeitos e a constituição da subjetividade, já que as mudanças propiciadas pela pós-modernidade, rompendo essa barreira de contato cultural, também destroem significados e sentidos. Carlos Gari Faria, em Uma breve introdução à discussão sobre trauma, por meio de dois exemplos clínicos e do filme Má educação, de Almodóvar, refere a falha na função objetalizante ou na capacidade de criar representações, resultante da perda da função integradora da pulsão de vida. Como conseqüência, o ego desfigura-se em objeto submetido a uma tendência ao desligamento, e se desfaz a existência do objeto como outro, passando a mero alvo da agressão.
Continuando a mesma temática, André Green questiona, em O intrapsíquico e o intersubjetivo: pulsões e/ou relações de objeto, a divisão nos conceitos de intrapsíquico e intersubjetivo pelos grupos teóricos na psicanálise da atualidade e demonstra que esses conceitos se encontram imbricados na metapsicologia. Ressalta a importância do corpo e da cultura para a formação e funcionamento do psiquismo.
Que lugar ocupa a linguagem na sublimação? E como a sublimação se torna intrínseca e inevitavelmente cultural, sendo portadora de criatividade? Este é o tema abordado por Julia Kristeva em Sublimação e cultura: o impudor de enunciar e a língua materna.
Se essas questões amplas sobre o interno e o cultural já inquietam os analistas de adultos, em Contribuições à compreensão da experiência puberal, Asbed Aryan dimensiona a temática do corpo e da cultura na constituição psíquica dos púberes. Afirma que o processo de puberdade e adolescência é profundamente intersubjetivo. A perda do corpo infantil no púbere é o aspecto mais traumático da reativação narcisista durante a segunda elaboração do complexo de Édipo. O púbere necessita, além disso, encontrar-se com o novo corpo para poder entrar na adolescência, o que provoca, pela divergência entre a tarefa de luto pelo corpo infantil e a apropriação de seu novo corpo, estados confusionais e caóticos.
Os aspectos do adolescente na interação terapêutica são destacados por Luis Correa Aydo em Técnica de trabalho clínico com adolescentes: entre a ação e a palavra e por Ingeborg Bornholdt em Sobre a atitude analítica na psicanálise de adolescentes. Os autores destacam a importância da flexibilidade técnica do analista para ser continente frente aos intensos e fluídos movimentos regressivos e progressivos dos adolescentes. A tendência ao acting, a forma particular do pensamento adolescente e suas especificidades comunicativas somam-se à assimetria generacional com o analista, tornando seu trabalho mais complexo. A turbulência emocional e as situações disruptivas podem acioná-lo defensivamente para comunicar-se também através do agir. Dos riscos inerentes a essa interação analista e adolescente em tratamento, decorre a necessidade de uma técnica mais elástica que a clássica, porém como um objeto confiável, que não se altere com as projeções de aspectos idealizados, denegridos, escamoteados ou erotizados. A integridade psicanalítica é necessária como objeto para ser introjetado pelo adolescente rumo ao seu desenvolvimento saudável.
A interação intrapsíquico/social também apresenta sua face de influências pela via que vai da intimidade sigilosa do consultório psicanalítico à sua repercussão no mundo social, através de ações tanto no campo científico quanto nos costumes.
Sabemos hoje a que ponto a divulgação da obra de Freud agiu sobre a cultura e a ciência atuais. Um dos importantes temas da psicanálise, posto como reflexão aberta na comunidade científica, refere-se, portanto, à publicação de casos clínicos em revistas especializadas e de acesso público. Publicá-los ou não? Acting out do analista ou generosidade científica? Qual a dimensão de prejuízo ao paciente? Qual o limite dos disfarces para a pessoa não ser identificada pelos leitores? Solicitar autorização é adequado? Ou se trata de uma invasão destrutiva do processo natural? A discussão meramente formal tem sido insuficiente para esclarecer essas questões. Nesse sentido, Christiane Albuquerque de Miranda aborda, em A construção do caso em psicanálise: o caso como construção psicanalítica, uma visão da clínica pelo conhecimento do analista a ser validada pela comunidade científica. O caso em psicanálise tem como destino sua publicação (tornar-se público), diferentemente da identidade do analisante, que deve ser preservada cuidadosamente. Trata-se de um texto importante para nossa argumentação quanto ao sigilo do psicanalista e à necessidade de divulgação para o desenvolvimento da ciência psicanalítica.
Na seção Psicanálise e cultura, podemos apreciar o encontro da cultura com a psicanálise, que enriquece ambos os campos. Paulo Henrique Favalli apresenta, em A casa tomada de Julio Cortázar, uma visão interessante da ação da pulsão de morte no conhecido conto do autor argentino.
Encerramos este número com a Entrevista com Leopoldo Nosek, psicanalista renomado e que, recentemente, assumiu a editoria da Revista Brasileira de Psicanálise, publicação da Associação Brasileira de Psicanálise, que agrega nossa comunidade científica. Nosek atualiza, numa conversa agradável, sua visão da psicanálise, da clínica, da sociedade atual e discorre sobre como compor uma revista psicanalítica de leitura estimulante.
Concluindo, quero, em nome de todos os participantes da Revista, prestar nossos profundos agradecimentos à querida secretária Irma Angela Manassero, que, desde o início de nossa publicação maior, há onze anos, tem demonstrado incansável dedicação e inestimável calor humano. Dona Irma, após cerca de quatro décadas de atividades em nossa sociedade, deixa-nos para dedicar-se ao neto que está chegando. Fica em nós a admiração de vê-la com seus oitenta e três anos de vida, ativa, entusiasta e sempre em busca do aprendizado de novidades. Encerra suas atividades profissionais com o sentimento do dever plenamente cumprido e com o louvor de todos com quem conviveu.
César Luís de Souza Brito
Editor da Revista de Psicanálise da SPPA
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