Editorial
DOI:
https://doi.org/10.5281/sppa%20revista.v18i2.287Resumen
Com satisfação finalizamos o ano de 2011 lançando o número temático Infância: questões atuais. Neste número, vários aspectos fundamentais das questões da infância são abordados por colegas de diversas nacionalidades, transmitindo a pluralidade do pensamento psicanalítico e sua aplicação clínica numa época da vida em que a intervenção, quando possível, pode contribuir significativamente na prevenção e busca de uma melhor qualidade de vida e saúde mental.
Acreditamos que as reflexões dos vários autores aqui presentes podem auxiliar não só o psicanalista de crianças, como também de adolescentes e adultos na compreensão e abordagem terapêutica dos aspectos primitivos que fazem parte da formação dos sintomas e conflitos contextualizados no mundo contemporâneo.
Iniciamos com o artigo de Jorge Luís Ferreira Abrão, professor, pesquisador da USP que nos presenteou com uma bela revisão histórica da trajetória de Zaira de Bittencourt Martins e sua influência na psicanálise de crianças no Rio Grande do Sul e no Brasil, contribuindo inclusive para a formação da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre. De acordo com Abrão, o interesse pela disciplina freudiana em solo gaúcho pode ser situado na primeira década do século XX e é contemporâneo da introdução das ideias psicanalíticas em São Paulo e Rio de Janeiro.
Esta pesquisa atual e de grande relevância nos permite compreender as transformações da psicanálise nacional ao longo dos anos e as influências teóricas de diversos países na sua origem, assim como dos precursores que contribuíram para a difusão do pensamento psicanalítico em nosso meio. Este trabalho chegou num momento especial porque em 2011 comemoramos o centenário de nascimento da pioneira da psicanálise de crianças no âmbito nacional e cinquentenário do reconhecimento provisório da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre como Grupo de Estudos obtido junto à IPA em 1961 durante o Congresso Internacional de Psicanálise em Edimburg.
Em homenagem a nossa pioneira, o Núcleo da Infância e Adolescência da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre instituiu o prêmio Zaira de Bittencourt Martins para o melhor trabalho apresentado na categoria de temas livres. O prêmio consiste na sua publicação na nossa revista. O trabalho premiado, A impossível tarefa de segurar o sol com as mãos, de Nara Caron e grupo, mostra o percurso de um grupo de terapeutas que parte da apropriação e compreensão do ambiente para descobrir a função e identidade terapêutica através das experiências de intervenção pais-bebê em uma UTI neonatal.
Da psicanálise francesa, temos a contribuição de Florence Guignard com suas reflexões sobre a criança na sociedade ocidental hoje. Neste trabalho Florence investiga as consequências das mudanças estruturais na sociedade ocidental, o impacto da tecnologia de comunicação e a crescente fragilidade das estruturas familiares, a dissolução das relações sociais, humanas e íntimas. Acredita que existe um processo de des-simbolização e erosão das relações humanas que coloca o indivíduo diante de diferentes demandas para dar conta dos instintos pulsionais e ansiedades. Enfatiza o desaparecimento da latência na sociedade contemporânea e discute as consequentes mudanças clínicas e técnicas no campo analítico com crianças e adolescentes.
De Montevidéu temos as reflexões de Victor Guerra sobre os destinos do luto na infância e de Myrta Casas de Pereda sobre novas perspectivas metapsicológicas na estruturação da subjetividade. Da Itália, Antonino Ferro e Elena Molinari, baseados nas ideias de Bion e partindo da observação de uma interação criativa entre pai e filho na vida cotidiana, questionam o quanto é necessário interpretar o brincar na análise infantil. Destacam que os elementos que facilitam a capacidade da criança de utilizar e reelaborar a rêverie dos pais pertence ao campo não verbal.
Também apresentado neste ano no simpósio do Núcleo da Infância e Adolescência da nossa sociedade, publicamos o trabalho da colega da SBPSP, Celia Fix Korbivcher, que aborda a relação continente-contido e transformações em alucinose e autísticas na transferência em psicanálise de crianças. Elsa Oliveira Dias, psicanalista fundadora do Centro Winnicott de São Paulo, nos fala sobre a infância na psicanálise winnicottiana. Destaca a latência como o período no qual se originam distúrbios psíquicos graves. Neste contexto aborda as desordens alimentares, a agressividade e o TDAH. No artigo Por uma infância sólida de histórias, Celso Gutfreind (SBPdePA) relata sua experiência como psicanalista e escritor ao participar de uma intervenção comunitária numa escola carente da grande Porto Alegre, enfatizando a importância da transferência em situações coletivas e a necessidade de se resgatar a contação de histórias e o conto como mediador cultural capaz de fomentar os processos de simbolização e elaboração na infância.
A psicanálise da infância da nossa sociedade está representada pelas colegas Regina Orgler Sordi, Eneida Iankilevich e Nara Caron em parceria com Maria Mercedes Fonseca, médica radiologista. Regina aborda a destituição da infância moderna, sua transição para a infância do consumidor enfatizando os processos de dispersão e coesão. Eneida reflete sobre se é possível a psicanálise de crianças. Destaca a importância da escuta, que constrói e permite o trabalho psicanalítico. Através do material clínico demonstra por que acredita na força do inconsciente e na possibilidade do instrumento analítico com estes pacientes. Já Nara e Mercedes contribuem com um original trabalho sobre a presença de irmãos no exame de ultrassonagrafia pré-natal, hábito cada vez mais frequente no nosso meio. Através dos desenhos das crianças sobre esta experiência vivida, discorrem sobre as variadas formas de expressão dos sentimentos fraternos e sua importância.
Apresentamos neste número duas entrevistas. A primeira com Mónica Cardenal, analista didata da APdeBA, convidada para o simpósio do Núcleo da Infância e Adolescência deste ano, que nos fala da sua experiência como coordenadora do seminário de discussão de trabalho (Work Discussion) no curso de observação de bebês, modelo Tavistock, organizado pela Fundação Kamala em Buenos Aires. Também publicamos neste número seu trabalho sobre este tema, apresentado no simpósio, juntamente com o comentário de Rute Maltz.
Em seguida, a entrevista com Silvia Resnizky, também psicanalista da APdeBA, que discorre sobre sua experiência com família e casal, destacando sua formação com Isidoro Berenstein, falecido neste ano. Silvia veio a convite da SPPA, especialmente de Nara Caron, diretora do NIA, para uma atividade científica sobre a teoria psicanalítica vincular e as transformações do conceito de família e casal.
No final deste número temos a resenha de Gisha Brodacz sobre o livro Transformações autística. O referencial de Bion e os fenômenos autísticos de Celia Fix Korbivcher lançado neste ano pela SPPA. O livro reúne seis trabalhos escritos pela autora ao longo dos últimos vinte anos, integrando seus estudos sobre autismo aos de Bion, desenvolvendo e propondo novos fenômenos e conceitos aos já conhecidos. Diante de tantos temas e assuntos interessantes, desejamos a todos uma boa leitura.
Tula Bisol Brum
Editora da Revista de Psicanálise da SPPA
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