TY - JOUR AU - Lucas, Renato Moraes PY - 2021/10/05 Y2 - 2024/03/28 TI - Editorial JF - Revista de Psicanálise da SPPA JA - Rev. psicanal. VL - 28 IS - 1 SE - Editorial DO - UR - https://revista.sppa.org.br/RPdaSPPA/article/view/923 SP - 7-10 AB - <p>Prezado(a) Leitor(a),<br />Temos a satisfação de apresentar esse número da Revista de Psicanálise da SPPA, que inaugura o ano temático O novo mal-estar da civilização e será completado pelos números Repercussões na técnica e Elaborações, em breve publicados. O fluxo contínuo de publicações, adotado por nosso periódico, permitiu que os artigos fossem disponibilizados de forma on-line tão logo ficassem prontos. Dessa forma, ao longo do ano antecipadamente temos ofertado ao leitor os trabalhos que virão a compor os três números. Em O mal-estar da civilização (1929), Freud ressalta que, conjuntamente à supremacia da natureza e à caducidade de nosso corpo, a insuficiência de nossos métodos para regular as relações humanas em família, no Estado e na sociedade determinam o contínuo, e talvez inalcançável, trabalho do homem para ser feliz.</p><p>Acima de tudo, ele interroga o quanto de nossa natureza psíquica encontra-se infiltrada nas instituições sociais, influenciando na sua estruturação. Freud não se furtou ao trabalho de tentar integrar os recursos científicos e fazer trabalhar a teoria psicanalítica no auxílio às incertezas, medos e perplexidades frente às transformações sociais e psíquicas nas quais a humanidade constitui agente tanto ativo quanto passivo.</p><p>O mundo contemporâneo brinda-nos com avanços tecnológicos surpreendentes e, em contraste, com retrocessos sociais e relacionais igualmente impactantes. Nunca dispomos de tantos recursos científicos para a abordagem de problemas em qualquer área do habitar humano, ao passo que os mecanismos de cisão são reinantes. Eles nutrem o fanatismo nas mais variadas instâncias do viver relacional, tendo a violência como regra.</p><p>Parece existir uma robusta perda de referenciais em uma parcela considerável do socius, enquanto outra, vencida a desmentida, assiste atônita às notícias dos sintomas: ideologias primitivas e duras que se reforçam; ação desenfreada do homem levando à crescente e assustadora mudança climática; migrações em massa; intensificação do racismo e da misoginia; a aceleração da vida; a maximização de recursos e processos virtuais, etc. Além de precisarmos nos perguntar para onde caminhamos, teríamos que saber o que motiva esta perigosa caminhada. São ameaças reais, mas, ao serem descartáveis e substituíveis, parecem ser apenas fruto de um corriqueiro excesso. Percebe-se uma insegurança constante acompanhada de vazio de significado, quando a imaginação </p><p>Cimenti, que revisita o texto O mal-estar na cultura de Freud, ressaltando a sua profundidade metapsicológica, assim como a sua atualidade e diferenças quanto à realidade vigente em uma possível percepção de Freud em relação ao irrepresentável. A seguir, são apresentados artigos que buscam entender os múltiplos mal-estares presentes na atualidade. Ruggero Levy tece aproximações entre a psicanálise e a filosofia, em especial as ideias de Byung-Chul Han, destacando aspectos da cultura atual e as exigências sobre o sujeito contemporâneo. Mostra o efeito potencialmente traumático do excesso de positividade e do fenômeno da pós-verdade presentes na cultura atual. Em seguimento, José Carlos Calich, após estudar elementos da organização sociocultural na modernidade e pós-modernidade, argumenta sobre o crescente recurso ao uso da pulsão de dominação como uma estratégia narcísica de sobrevivência do sujeito. Nilton Bianchi busca entender a condição do sujeito fragmentado pela lógica da pós-modernidade e as questões decorrentes da condição de um sujeito narcisista atravessado pelos ditames da cultura atual. Apresentando e detalhando metapsicologicamente o conceito de des-existir, Carlos Gari Faria aborda-o como um processo transitório, de duração variada, no qual o sujeito entra em um processo de falência como sujeito psíquico por desinvestimento. Em seguida, Ignácio A. Paim Filho apresenta-nos um detalhamento do disruptivo em Freud, da teoria do narcisismo ao advento da pulsão de morte. Como agente disruptivo à Eros, poderá trazer destinos tanáticos ou criativos. Traça um paralelo temporal entre o disruptivo da pandemia viral e o disruptivo da virulência do racismo, mostrando como a situação de pandemia da Covid-19 trouxe à tona o racismo até então silencioso e invisível.</p><p>Viviane Sprinz Mondrzak centra o seu estudo no preconceito e no pensamento fanático como fenômenos decorrentes de distúrbios nos processos do pensamento, cujas causas são difíceis de estabelecer, ressaltando, contudo, a importância de fatores socioculturais. Carlos Augusto Ferrari Filho, a partir do papel civilizatório do discurso como elemento facilitador de acesso à realidade e à construção do conhecimento, discute como a força do pensamento mágico ou a potência do desejo podem, em situações de crise, desconstruir a força reveladora da palavra pelo falseamento da verdade. Celso Halperin estuda o ressentimento em suas raízes psíquicas e sociais. Apresenta-o como um mal-estar individual, oriundo de uma ameaça à integração narcísica, para então relacionar esta compreensão com o ressentimento social. A seguir, Cláudio Laks Eizirik e colegas buscam estudar o fenômeno de mundos sobrepostos, partindo dos acontecimentos decorrentes da situação da pandemia da Covid-19, onde teriam sido atualizadas as três fontes de sofrimento do homem, já descritas por Freud em 1929. Assim, situações comuns à vida do paciente e do analista são exemplificadas em várias situações clínicas  do presente de suas vidas, sustentando o articulador incerteza – aquilo que se apresenta como o novo, o imprevisível – de forma central no campo analítico e como elemento para o desenvolvimento da teoria psicanalítica.</p><p>Por fim, Carlos Marcírio Naumann Machado e colegas realizam uma leitura psicanalítica do personagem Coringa (Joker, 2019), apresentando-o como a manifestação caricata das dimensões mais profundas do sujeito humano, quando a ideia de vingança surge como retribuição e compensação por traumas precoces sobre o narcisismo. É possível que o filme e suas múltiplas concepções psicanalíticas, como aquela apresentada nesse artigo, possam auxiliar no encontro entre a cena psíquica, e sua história, e a cena social, no jogo dialético necessário para o estudo do mal-estar civilizatório.</p><p>Na esperança de que nossa tarefa tenha sido bem-sucedida, desejamos uma boa leitura.</p><p>Renato Moraes Lucas<br />Editor Chefe da Revista de Psicanálise da SPPA</p> ER -